Comi uma barra de chocolate. Inteira. Não foi um quadradinho, nem “só um pedacinho pra enganar a vontade”. Foi inteirinha. E, antes que a glicose chegasse ao cérebro, ela já estava lá. Sim, ela mesma: a culpa. Aquela vozinha, tipo uma “grila falante”, que mora dentro da nossa cabeça e adora dizer “por que você fez uma besteira dessas?”.
Durante a vida, colecionamos diferentes tipos de culpa: a maternal, por não sermos a mãe perfeita; a profissional, por não darmos conta de tudo; a conjugal, por não sermos sempre amáveis e afetuosas; a de amiga, por não estarmos presentes quando gostaríamos.
A culpa não dorme no ponto. Aparece até nos nossos sonhos.
Será que Freud explica? Fui dar uma olhada na sua teoria e aqui vai o que entendi: a culpa nasce do conflito entre o desejo e a proibição — ou seja, surge quando a gente quer fazer algo que aprendeu que “não pode”. Comer uma macarronada em plena segunda-feira, ficar uma tarde da semana sem fazer nada, dizer um “não” bem redondo em vez de um “sim” contrariado. Mas aí lá vem a grila falante novamente dizendo: “comporte-se”. E a gente até tenta. Só que, quando escapa, mesmo que seja só um pouquinho, a culpa dá o ar da graça.
A verdade é que vivemos numa eterna sensação de dívida com o mundo, como se estivéssemos sempre aquém do esperado. E, na maioria das vezes, só estamos tentando nos ajustar a uma realidade que não perdoa falhas.
Mas será que a culpa serve para alguma coisa? Pensando bem, quando não vira ruminação inútil, ela até pode funcionar como sinal de que algo precisa ser revisto. Nos impulsionar a agir melhor, pedir desculpas, fazer diferente.
Talvez o segredo esteja em fazer as pazes com a nossa humanidade. Entender que errar faz parte. Que não dar conta de tudo é normal. Que, às vezes, o melhor que podemos fazer é nos perdoar — e, quem sabe, comer o chocolate — inteiro! — deixando a grila falante em modo silencioso.
