Amanhã, 20 de novembro, celebramos o Dia da Consciência Negra, uma data que nos induz a olharmos para a nossa história sem atalhos, sem romantizações e sem medo de reconhecer o racismo estrutural que ainda atravessa o país.
É também um momento para celebrar as vozes negras que, por séculos, foram apagadas, interrompidas ou empurradas para as margens da nossa literatura. Quando pensamos nas escritoras negras do século XIX, percebemos que muitas delas sequer tiveram seus nomes registrados nos livros ou jornais da época. Ainda assim, escreveram. E escreveram muito. Foram jornalistas, cronistas, poetisas, romancistas, mesmo quando o mundo insistia em lhes negar a autoria.
Por isso, a posse de Ana Maria Gonçalves na Academia Brasileira de Letras, ocorrida no dia 7 de novembro de 2025, representa mais que uma conquista individual: é um marco histórico. Pela primeira vez, em 128 anos, uma mulher negra ocupa uma cadeira na instituição. É a abertura de uma porta que permaneceu fechada para mulheres, especialmente para mulheres negras, desde a fundação da ABL.
A emoção e o impacto que senti ao ler “Um Defeito de Cor” voltou a me atravessar ao ver Ana Maria empossada na maior casa da literatura brasileira. A saga de Kehinde — capturada na África com a avó e a irmã, sendo a única a chegar viva ao Brasil — é, na minha opinião, uma das narrativas mais arrebatadoras da nossa literatura. Seu percurso cruza dor, resistência, coragem e reinvenção. Ao recontar essa história, o romance devolve humanidade às milhões de vidas negras arrancadas de suas origens, interrompidas ou silenciadas.
Conceição Evaristo chama essa escrita de escrevivência: palavra que não nasce apenas da técnica, mas da vida, da ancestralidade, das marcas e das memórias. E é justamente essa escrevivência que transforma a literatura brasileira, ampliando seu alcance e revelando histórias que nunca deveriam ter sido omitidas.
Neste mesmo movimento de reconhecimento e memória, Tubarão ganhou nos últimos meses uma homenagem fundamental: a criação do Dia Municipal da Poesia, em celebração à poetisa Alice Cardoso de Jesus.
Alice foi alfabetizada aos 42 anos e, a partir daí, fez da escrita o seu território de expressão. Tornou-se uma voz marcante em Tubarão e em Santa Catarina, demonstrando que a palavra pode florescer em qualquer idade — desde que encontre espaço.
A lei, proposta pelo vereador Maurício da Silva e aprovada por unanimidade na Câmara de Vereadores, instituiu o dia 24 de setembro — data de nascimento da poetisa — como um tributo à poesia local e à força inspiradora de sua trajetória.
Essa homenagem é mais do que justa: é simbólica. É um lembrete de que talento não tem prazo de validade. E de que, quando uma mulher negra encontra a oportunidade de aprender, escrever e se expressar, ela abre caminhos para outras tantas que virão.
Que a literatura continue sendo o lugar onde a memória se repara, onde a justiça se anuncia e onde a palavra, finalmente, encontra todos os espaços que sempre lhe pertenceram.