Seu Manoel Francisco já bateu a casa dos 70 anos, mas não é pelo tempo de vida que ele aparece de barba e cabelos brancos à porta do seu estabelecimento, para receber o grupo de visitantes da prefeitura de Capivari de Baixo. É que esse é um dia de “farinhada”.
É assim que o pessoal que trabalha na produção artesanal de farinha de mandioca chama este dia de lida, incansável, que tem hora para iniciar, mas não para terminar. “Depois de 12h de farinhada, não tem como estar diferente”, justifica ele, às 10h30 daquele dia, exausto da jornada que iniciara às 22h do dia anterior.
Mas seu Manoel não estava sozinho. Três metros dali, um grupo de sete ou oito mulheres raspava mais um lote de mandioca, que mais tarde viraria farinha e beiju, de outro núcleo familiar.
Além da família de seu Manoel, que tem a mulher, Maria do Carmo, e dois filhos e netos, cerca de outros 20 núcleos utilizam o engenho dele para produzir a sua farinha e derivados. “Aproximadamente, atinge de 50 a 60 pessoas, entre tios, primos, irmãos, sobrinhos, netos. Todas têm alguma ligação de parentesco”, diz o trabalhador.
O engenho foi originalmente de seu bisavô, Francisco Bernardo, e ficava em outro local, próximo dali.
“A coisa aqui começa com a arrancada da mandioca, depois ela é lavada e trazida para o engenho. Então, tem a casca raspada à mão, é moída e a massa é cevada. Depois, a massa é seca no tipiti (balaios de bambu próprios para isso). É peneirada, vai ao forno à lenha. Com a farinha ou beiju ao ponto, o material é retirado manualmente do forno e recomeça tudo, até terminar o lote”, explica seu Manoel.
Engenho como ponto de visitação
A vice-prefeita de Capivari de Baixo, Márcia Roberg Cargnin, e diretor de Cultura, Álvaro Dalmagro, visitaram o engenho e não têm dúvida do potencial do local. “Fiquei impressionado com este universo da produção de farinha artesanal e com a importância que isso tem para estas famílias do ponto de vista do cooperativismo, da manutenção dos laços culturais, das raízes de sua origem, do aspecto gastronômico e econômico. O engenho é histórico e tanto o prédio físico quanto todo este jeito de fazer farinha e de conviver entre as pessoas podem virar um ponto cultural de visitação, além de poder ser explorado também pela rede municipal de ensino”, considera Álvaro.
É esta a intenção de Manoel: tornar o velho engenho um novo ponto de turismo e de cultura. “Para isso, teríamos que fazer uma reforma geral, porque do jeito que está não tem como. A gente até andou trocando alguns caibros do telhado porque estavam podres e a gente corria risco. Mas é preciso mais. Uma reforma geral”, argumenta.
O prefeito Vicente Costa, que também visitou o engenho, da mesma forma ficou impressionado com o que viu e acenou para a possibilidade de o município fazer um projeto de recuperação, e o valor do orçamento da obra ser incluído na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022.
Em família
A farinha produzida no engenho não é para a venda. “Tudo é para consumo próprio. Todas as famílias têm a sua pequena plantação de mandioca para esta finalidade”, conta seu Manoel. E, assim, o engenho dos Francisco sobrevive há pelo menos 70 anos.