Meu nome, por enquanto, é apenas feto. Sou produto do milagre da vida e comecei a ser gerado a partir de duas únicas células que se encontraram aqui em casa, se enamoraram e se fundiram em uma só. Uma prova cabal de um grande e mútuo amor. Então sou fruto de uma fantástica multiplicação que até lembra a dos peixes feita no Mar da Galiléia, por Jesus de Nazaré.
Em meu corpo aconteceu uma espantosa diversificação de células especializadas que, agrupadas, formaram órgãos e sistemas que lá fora terão importantes funções, tais como transmitir impulsos elétricos, focalizar coisas, moer e fermentar, filtrar, funcionar como bomba, como fole, como laboratório, serviços de limpeza, entre muitos outros.
Meu lar é confortável e seguro. As mordomias são muitas: nem preciso abrir a boca para receber alimento, estou envolto em um tépido líquido onde dou algumas braçadas e ensaio umas pernadas. Será que vou nascer sob o signo de Peixes?
Há poucos dias senti sensações estranhas: dedos palpando a porta da minha morada, mãos lá fora, avaliando o meu tamanho, e depois esfregando para lá e para cá, até que ouvi a voz de quem sempre está comigo dizer: “é menino...”.
Como é que ela pode saber?
Já moro aqui há oito meses e minha casa está ficando pequena para mim. Dentro em pouco serei despejado, com toda a certeza, pois até já estou de “ponta-cabeça” aqui dentro.
Mas como será lá fora? Terei a boa vida que tenho aqui dentro? Deitarei em berço esplêndido? Vou nascer no Brasil? No Nordeste? Quantos irmãos terei para com eles dividir a comida, o afeto e a atenção dos meus pais? Será que serei bem alimentado ou mais um subnutrido? Será que vou ter o privilégio de poder estudar? De me tornar um doutor? Ou será que vou ter que cortar cana em algum canavial por aí? Escaparei da sanha dos bandidos e malfeitores que campeiam lá fora?
Em face de tantas incertezas e temores, o que eu gostaria mesmo é de continuar vivendo aqui minha vidinha pacata e confortável.
Neste caso, uma única frustração que eu iria sentir seria a impossibilidade de crescer e de poder conhecer, também por fora, alguém do belo sexo, como a que me abriga em seu ventre, pois dizem serem elas maravilhosas criaturas que enriquecem a vida dos homens com beleza, suavidade, meiguice e carinho e que nos permitem compartilhar com elas as delícias do amor.