27 DE JULHO DE 2024
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JOSÉ WARMUTH

15/03/2024 06:00

Memórias de um relógio centenário

Possuímos, em nossa casa, um relógio de parede que completou cem anos há já uma década.

Trabalha, na verdadeira acepção da palavra, com a precisão de um relógio. Fabricado no fim do século dezenove, na Inglaterra, sua fábrica foi destruída em um bombardeio pelas famigeradas bombas V-2, de Hitler, durante a II Guerra Mundial.

Famosos pela exatidão, os habitantes do Reino Unido acertavam os seus relógios, então de bolso, pelos grandes relógios de parede das gares das estações de trem.

Exigente, como todo o inglês que se preza, foi difícil conseguir instalá-lo. Até um nível comprei para colocá-lo perfeitamente na vertical, mas seu pêndulo recusava-se a continuar oscilando. Até que descobri que a minha parede estava ligeiramente fora do prumo. Um pedaço de rolha, colado por traz dele, resolveu o problema.

Seu desempenho tem sido muito melhor do que um que comprei há apenas trinta anos, que já dá sinais de velhice, não querendo mais funcionar por sete dias, o que seria a sua obrigação.
Num dia desses, ao contemplar o velho relógio, fiquei imaginando os famosos momentos que assinalou, com o seu incessante tiquetaquear, ao longo dos seus cem anos de existência.

Às 24 horas de trinta e um de dezembro de 1999, informou o instante em que um século se encerrava para dar lugar a um outro. Uma página virada para a humanidade, dando espaço a outra onde não caberia o assombroso e avassalador progresso então verificado, inimaginável por aqueles que lograram seguir sua jornada nos anos que se seguiram.

Dez horas e vinte minutos do dia vinte e três de outubro de 1906: Alberto Santos Dumont decolava, diante de uma multidão incrédula, no campo de Bagatelle, em Paris, para o seu primeiro voo com o mais pesado que o ar, o seu frágil 14 Bis.

Ele marcava duas horas e vinte minutos, no dia quinze de abril de 1912, quando desapareceu, sob as águas geladas do Atlântico Norte, o “insubmergível” Titanic, levando consigo 1.522 almas, das 2.227 que nele viajavam.

Precisamente às doze horas e quarenta e dois minutos no dia vinte de julho de 1944, um seu “contraparente” fez detonar a bomba que apenas feriu Adolf Hitler, em atentado perpetrado por alguns dos seus próprios oficiais, na cidade de Rastenburg. Todos aqueles que planejaram o malogrado intento foram executados, acusados que foram de traição. Ironicamente, em agosto de 1945, portanto após pouco mais do que um ano, Hitler cometia suicídio  em seu bunker, em Berlim.

Às oito horas e quinze minutos de seis de agosto de 1945, ele marcou o trágico horário em que a bomba atômica detonou sobre a cidade japonesa de Hiroshima, jogada que foi pela fortaleza voadora B-29, comandada por Curtis Lemay e que resultou na morte imediata de cerca de 70.000 humanos.

Às nove horas e cinquenta e seis minutos de 21 de julho de 1969, presenciou, pela televisão, o primeiro passo dado pelo primeiro homem a pisar na lua, o americano Neil Armstrong.

E, mais uma vez, à zero hora de 1º de janeiro de 2001, começava, “com a corda toda”, a marcar as horas de um novo século que trará consigo, in sa allah, a redenção da humanidade, de suas mazelas, tais como a fome, a pobreza, o ódio e a intolerância política, étnica e racial.

Em face à vitalidade que ainda demonstra, sei que sobreviverá ao seu dono e faço votos para que ele possa assinalar o momento em que, em paz definitiva, abraçar-se-ão árabes e judeus, na região da Palestina e em toda a orbe terrestre.   

Shalom.

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