Era primavera. Elas estavam de volta. Todas as flores ansiosamente esperadas desde o ano passado povoavam o Barranco Quebrado, a margem do rio Tubarão: flores do campo, as dos morangos silvestres, as sofisticadas flores dos aguapés, as flores de natal, que cobrem de ouro os campos muito antes do fim do ano.
O rio, refletindo uma maravilhoso céu azul, estava repleto de biguás que, flutuando, sempre me causaram alguma aflição, pois dão a impressão de que estão naufragando, eis que somente os seus sedosos dorsos ficam acima da linha da água.
Era uma sexta-feira. Semioculto, por detrás de uma moita, eu filmava, pelo sexto dia seguido, um casal de forneiros em sua faina na construção de sua casa, na forquilha de Umbaúba. A intenção era documentar todo o processo, até a festa da cumeeira.
Tal qual um casal de competentes pedreiros, vão construindo a sua morada, dentro de um meticuloso planejamento.
Revezam-se na tarefa de ir buscar o material de construção: enquanto um deles fica modelando a parede, o outro vai recolher mais um pouquinho de barro úmido com minúsculos gravetos que vão armar o “concreto” da sólida construção. A abertura daquele lar, doce lar, fica sempre do lado contrário das chuvas e ventos predominantes.
Os joões-de-barro, para os povos de língua inglesa, ovenbirds (pássaros-forno), são vítimas do bicho-homem: ao construírem seus domos nos postes, acabam por interferir na transmissão da energia elétrica e da telefonia, sendo eles mesmos, com frequência, eletrocutados pelo contato dos fios com o poste, através de suas casas. Na Ferrovia Teresa Cristina, enquanto as comunicações eram feitas por linha aérea, era comum a interrupção das mesmas por interferência causada por suas casas de pau a pique. A única solução para o problema era cruel: trabalhadores de linha, munidos de longas varas de bambu, destruíam as edificações que tanto trabalho e capricho tinham exigido.
Na atualidade, a Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina) está substituindo os isoladores antigos, em linhas novas e em reformas de linhas, por um novo modelo que não viabiliza a construção daquelas casinhas.
Somente em casos extremos a Celesc também as vem destruindo, sempre que possível somente após a concretização do ciclo reprodutivo.
O joão-de-barro inspira um sem-número de lendas: dizem que o macho prende a fêmea na casa, durante a ovulação e o período de choco, suposta crueldade, na letra da música de Sérgio Reis, que, no entanto, não é real.
Fala-se também que ele tem o dom de prever inundações, construindo antes delas o seu ninho bem nas alturas e, finalmente, que a exemplo do Criador ao criar o mundo, também ele descansa no sétimo dia.
Verdade ou não, no sábado eles não estavam lá. Em busca de uma explicação terrena, fiquei imaginando se, a exemplo dos construtores humanos, no sétimo dia eles não interrompem o serviço para dar tempo para a massa curar...