Recentemente, minha irmã e eu levamos meu pai ao neurologista. Ao ser perguntado pelo médico o que o trazia ali, meu pai, que tem 85 anos muito bem vividos, respondeu: “Me sinto ótimo, vim para tranquilizar minhas filhas, que estão preocupadas com minha saúde. Elas acham que ando meio esquecido das coisas”.
Todos nós, filhos, que temos o privilégio de acompanhar o processo de envelhecimento de nossos pais, vivenciamos essa inversão de papéis: deixamos de ser apenas filhos para nos tornarmos pais de nossos próprios pais; de cuidados passamos a cuidadores.
A troca de papéis começa de maneira quase despercebida: surge no gesto simples de estender a mão para que eles desçam um degrau, ou em uma história tantas vezes recontadas, que temos o prazer de ouvir e sorrir, como se fosse a primeira.
Lidar com a fragilidade e limitações de nossos pais é algo de sublime e doloroso. Sublime porque aflora o amor que nos conecta, aquele que transcende o tempo e as diferentes circunstâncias. É quando percebemos que as mãos que antes nos guiavam com firmeza agora buscam apoio na nossa, e os olhares que antes transmitiam segurança hoje procuram a nossa aprovação. É a oportunidade de retribuir, de acolher com carinho cada momento em que a memória falha ou as palavras se embaralham.
Por outro lado, é doloroso, porque assistir ao envelhecimento de quem sempre foi nosso porto seguro faz com que constatemos que a finitude da vida é inevitável e breve. Cada pequeno esquecimento, cada tropeço, cada olhar perdido é um lembrete silencioso de que o tempo avança, implacável, para todos nós.
E neste encontro entre a fragilidade, o sublime, a dor e a força descobrimos novas formas de amar. O amor que sentimos não é mais aquele inocente e reverenciado da infância, mas o amor amadurecido, que inclui a paciência e a compreensão. E o aprendizado é constante, como valorizar os pequenos momentos juntos: as jantinhas de quarta-feira, os almoços de domingo, as cantorias ao violão, as histórias e memórias compartilhadas, as mensagens de bom dia, as videochamadas para matar a saudade.
Voltando à consulta médica, ao final, o médico, que é xará do meu pai, brincou com ele: “Seu Arthur, tenho certeza que o senhor não vai esquecer meu nome”. E meu pai respondeu sorrindo: “Claro que não, dr. Fernando”.
Talvez a vida seja sobre isso. Sobre levar com leveza e bom humor os desafios que aparecem pelo caminho. Não importa se somos filhos ou pais de nossos pais, mas sim se estamos juntos, unidos, nos apoiando em cada fase das nossas vidas. Porque, no balanço dos dias, é essa conexão e esse amor que existe entre nós que nos sustenta e torna essa jornada digna de ser lembrada e celebrada.