— Chimamanda? Que nome é esse? — perguntou minha filha, ao ver meu entusiasmo no grupo de WhatsApp da família ao postar um vídeo e enviar um áudio dizendo que estava assistindo à palestra da Chimamanda Ngozi Adichie.
Era o encerramento de um dia que parecia um sonho na Bienal do Rio, em que lancei meus livros e uma coletânea, com outras 152 mulheres. A cereja do bolo foi sentar-me na plateia do palco Apoteose para ouvir uma mulher negra, nigeriana, absolutamente encantadora, de voz firme e aveludada, contar sua história. A mediação ficou por conta de outra mulher igualmente admirável: Taís Araújo, que conduziu a conversa com muito carisma e, diante da ausência do intérprete, traduziu as respostas da convidada com competência e generosidade.
Conheci Chimamanda durante o doutorado, quando uma professora nos apresentou sua palestra no TED Talk, “O perigo de uma história única” — assistida por mais de 18 milhões de pessoas — e nos indicou o livro homônimo.
Na palestra, Chimamanda compartilha a infância em Nsukka, na Nigéria, onde cresceu como filha de professores universitários. Ela conta que lia desde cedo, mas os livros disponíveis eram todos britânicos ou americanos. Assim, aos sete anos, começou a escrever as histórias que conhecia: com personagens brancos, de olhos azuis, que brincavam na neve, comiam maçãs e falavam sobre o tempo. Ainda que nunca tivesse visto neve, que sua pele fosse cor de chocolate e o céu da sua cidade não conhecesse invernos gelados, ela acreditava que os livros “verdadeiros” precisavam ser estrangeiros.
Foi apenas ao conhecer autores africanos que sua percepção da literatura passou por uma grande mudança. Descobriu que meninas como ela — de cabelo crespo e tranças apertadas — também podiam existir nos livros. E, mais ainda: podiam protagonizar suas próprias histórias. Conforme Chimamanda, esses autores africanos a salvaram da armadilha de ter uma única história sobre o que os livros são.
Durante sua fala no Rio, Chimamanda abordou o problema dos estereótipos: “não é que sejam falsos, mas que são incompletos”. E a história única, quando repetida muitas vezes, transforma-se em verdade oficial, marginalizando outras vozes, apagando nuances, estreitando o mundo.
Saí daquele encontro mais uma vez com a convicção de que a literatura é uma poderosa arma contra os silenciamentos e as vozes únicas. Ela nos ensina que há sempre mais de uma versão e que a humanidade é feita de muitas histórias que precisam ser contadas e conhecidas.
Que continuemos lendo e escrevendo com olhos e mentes bem abertos — para lembrar a nós mesmos, e uns aos outros, que o mundo nunca cabe em uma única história.