16 DE SETEMBRO DE 2024
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RENATA DAL-BÓ

21/08/2024 06:00

Inveja, o pecado inconfessável

Outro dia, conversando com uma pessoa, que considerava minha amiga, ouvi o seguinte comentário: “Você nasceu mesmo de bunda pra lua, tudo que você faz dá certo. Se eu tivesse tido as mesmas oportunidades que você, também conseguiria”. Na hora meu sangue ferveu, mas como não sou de criar caso, deixei para lá. Então, dedico a crônica de hoje a esta “amiga da onça”.

Como dizia Nelson Rodrigues: “Há coisas que o sujeito não confessa nem ao padre, nem ao psicanalista, nem ao médium depois de morto.” Uma delas certamente é a inveja. A palavra inveja vem do latim “invidere” e significa “não ver”. Aquele que inveja não vê o mundo de oportunidade e de energia que desperdiça ao abandonar a sua vida para viver a dos outros.

Entre os sete pecados capitais, a inveja é aquele que mais temos vergonha de confessar, pois mostra a nossa própria insatisfação com o que temos ou somos. A questão é que a inveja não é apenas querer o que o outro quer, mas desejar que o outro não tenha aquilo que nos causa desconforto ou sensação de inferioridade. De tão insidioso e traiçoeiro que é, faz com que os outros seis pecados pareçam até “invejáveis”. Conforme Zuenir Ventura escreve no livro “Mal secreto – Inveja”,  “o ódio espuma. A preguiça se derrama. A gula engorda. A avareza acumula. A luxúria se oferece. O orgulho brilha. Só a inveja esconde.”

Podemos até controlar a cobiça e acalmar a ira. É possível sublimar a luxúria e saciar a gula. O orgulho não chega a ser um mal letal e curtir uma certa preguiça não é tão terrível assim. Mas a inveja, não. Ela é inesgotável e produz um eterno descontentamento consigo mesmo, pois é a tristeza pela alegria alheia. 

A inveja é uma velha amargurada, de péssimo caráter, sorrateira, capaz de, com um simples olhar, murchar plantas e secar pimenteiras. É por isso que o invejoso é sempre o outro. Este pecado vergonhoso e “inconfessável”, pelo menos publicamente, costuma ser revelado nas entrelinhas, como no comentário feito pela minha “amiga”, ou na maneira como reagimos às conquistas do outro. Na “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, a inveja ocupa um lugar de destaque no “Purgatório”, especificamente na segunda cornija (círculo). O “Purgatório” é a segunda parte da obra, onde as almas passam por uma purificação para se prepararem para entrar no “Paraíso”. No segundo círculo do “Purgatório”, os invejosos expiam seus pecados de uma maneira simbólica e dolorosa.

Eles são punidos com os olhos costurados com arame, o que os impede de ver. Essa punição representa a cegueira espiritual que a inveja causa, já que os invejosos são incapazes de alegrar-se com o bem dos outros.

Como escreveu o grande poeta gaúcho Mario Quintana: “Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão... eu passarinho!”

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