03 DE OUTUBRO DE 2024
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RENATA DAL-BÓ

02/10/2024 06:00

A arte de saber envelhecer

O escritor, jornalista e teatrólogo Nelson Rodrigues, com sua visão mordaz e genial sobre a vida, certa vez fez uma recomendação à juventude brasileira: “Jovens, envelheçam”. Essa frase, aparentemente simples, carrega uma sabedoria que pode soar absurda aos jovens de 20 anos, mas aos 50 ganha a consistência de um sábio conselho. Envelhecer não é apenas o destino inevitável dos anos, mas um processo de amadurecimento que vai redefinindo nossa relação com o tempo, com o mundo e, sobretudo, com a gente mesmo.

Já passei dos 50 há algum tempo e cada vez mais percebo que envelhecer não se resume apenas à perda de colágeno e aquisição de rugas na pele, mas é uma ótima oportunidade de fazer novas descobertas. Quando somos jovens temos uma ansiedade incessante, uma pressa de viver. Queremos devorar o mundo, e o fazemos, muitas vezes, sem saber o que realmente estamos querendo ou buscando. Tudo parece urgente, para ontem. Já com a maturidade, nos damos o direito de parar e respirar profundamente. As urgências tornam-se mais seletivas, os desejos mais claros e o lugar no mundo começa a ser compreendido com uma sagacidade que só o tempo pode trazer.

Há quem tema o espelho, como se os sinais do tempo fossem inimigos a serem combatidos a todo custo. É fato que nossa sociedade tem uma obsessão com a juventude eterna. Temos que parecer sempre mais jovens, disfarçando as marcas naturais da vida como se fossem falhas. 

O historiador Leandro Karnal, com seu conhecimento filosófico e experiência de quem já passou dos 60, acredita que o envelhecimento é, na verdade, uma oportunidade para ajustar nossa lente sobre a vida. Se, na juventude, nossa visão é turva pela pressa e pela superficialidade, com o tempo, começamos a enxergar com mais clareza o que realmente importa. Não é o número de rugas, mas a profundidade dos sorrisos que deve nos preocupar. As cicatrizes da alma, assim como as do rosto, são testemunhas de uma vida vivida plenamente, com todas as suas dores e delícias. 

Envelhecer, portanto, não é um processo de apagamento, mas de releitura da vida. Não mais ansiamos por todas as respostas, porque aprendemos a lidar com as perguntas que permanecem. Não mais queremos dominar o mundo, porque encontramos o poder de estar em paz dentro de nós. E, sim, há dias em que as horas parecem pesadas demais. Mas, com cada novo amanhecer, vem a chance de ver a beleza nas dobras do tempo, nas histórias que contamos e na leveza de simplesmente entender que o nosso lugar no mundo é exatamente onde estamos agora, com todas as nossas imperfeições e sabedoria acumulada. 

Diário do Sul
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