Finalmente, após o término das suas rotinas de trabalho, Alexandre se estava instalando no seu reduto caseiro predileto, o seu estúdio.
Buscando inspiração para escrever, ligou o micro, acendeu um incenso spiritual guide e colocou um CD da Enya para tocar.
Ao soarem os primeiros acordes de “De onde venho”, teve a atenção focada sobre um longo e sedoso fio de cabelo, que jazia sobre o vidro da escrivaninha. Negro como a noite, descrevia caprichosos meandros que desenhavam, na sua imaginação, as curvas de uma esbelta e sensual mulher morena. Parodiando o título da música, de onde teria vindo?
Como teria ele chegado até ali? Ninguém sob o seu teto tinha o cabelo como aquele. Nenhuma visita feminina recebera na última semana.
Então, deu asas à imaginação: alguma musa do Olimpo esteve por ali, invisível, etérea e, por descuido ou quem sabe, até propositadamente, deixou aquele maravilhoso ornato de sua formosa cabeça.
Colocou-o, então, com todo o cuidado sobre um alvo papel, onde ficou ainda mais bonito e, da gaveta, sacou a sua lupa. Percorreu com ela aquele fânero solitário, na esperança de encontrar alguma mágica mensagem que identificasse a outrora portadora do mesmo.
Passou, então, a imaginar o quão bonito seria a longa cabeleira daquela mulher, ondulando ao sabor da brisa ou solta sobre alvos lençóis, emoldurando dois grandes olhos negros e suculentos lábios carnudos que deixam entrever alvíssimos e perfeitos dentinhos, que mais se parecem com aqueles de uma menina impúbere.
Procurando entre os seus guardados, achou uma pequenina caixa para joias, em metal amarelo, ornada em relevo, forrada com veludo vermelho. Uma morada digna e ideal para aquele maravilhoso fio de cabelo negro.
Todos os dias, pela manhã, abre a caixinha para saudar e admirar aquele já amado despojo.
Ele se transformara em um misterioso fetiche, pelo qual ficara irremediavelmente enamorado e dele cativo.
