Eu sou a agulha.
Pertenço a uma grande família e sou polivalente em minhas ações: posso tecer, costurar, medicar, tratar dores e até fazer bruxarias.
Minhas antepassadas eram feitas de osso. Hoje posso ser de plástico ou de metal.
Ao fazer crochê e tricô, sou artista, mas dependo de mãos bem dotadas e de bom gosto como parceria.
Na costura posso coser desde farrapos ou sacos de aniagem até finíssimos trajes em tecidos dos mais sofisticados. Gosto muito da seda e do veludo. Trespassá-los é muito aconchegante. Estou nas máquinas de costura e quase não vejo o que estou fazendo, tal é a velocidade com que me fazem trabalhar.
Sou usada também para costurar gente e aí tenho grande responsabilidade ao suturar um vaso sanguíneo que sangra e ameaça a vida de alguém.
Um tal de Charles Gabriel Pravaz, ortopedista francês, teve a idéia genial de fazer-me oca. Com isto acrescentou-me nobreza, utilidade e notoriedade. Sou decisiva para levar à intimidade do corpo humano remédios que podem ser sua tábua de salvação. Para isto, conto com a minha amiga mais íntima: a seringa.
É milenar o meu uso no tratamento de dores quando sou usada em acupuntura, para a qual hoje se tem uma explicação científica.
Por décadas fui muito importante na arte da música: nos antigos “toca-discos” eu era a peça fundamental. Eu “lia” nos sulcos dos long-playings as lindas melodias de então e as reproduzia para o deleite de pessoas de gosto apurado.
Só não gosto do meu uso em uma prática que considero odiosa: na bruxaria conhecida como vodu. Espetam-me no coração de bonecos que representam pessoas que querem ver mortas.
Prefiro meu uso nas bússolas, pela minha ação de orientar viajantes perdidos, graças à atração que tenho pelo Polo Norte.
Agora, depois de me apresentar, me despeço de vocês e vou me recolher em lugar ignorado. Como sou pequenina, para achar-me será como procurar agulha no palheiro.