Artigo
Vivemos um tempo em que nossas comunidades já não são apenas físicas, mas digitais. Redes sociais e grupos on-line criam tribos modernas, onde regras de comportamento, opiniões e até emoções nos são impostas. Diferentemente das tribos ancestrais, que habitavam guetos geográficos, hoje vivemos em guetos do pensamento, manipulados por algoritmos e pela circulação acelerada de informações, muitas vezes, superficiais.
A capacidade de influenciar o comportamento de outras pessoas é característica de inúmeros atores sociais que atravessam nosso cotidiano. O poder exercido por essas figuras, seja para o bem ou para o mal, frequentemente provoca desconfiança e temor. Foi assim com os contemporâneos de Sócrates, que o condenaram à morte sob a acusação de corromper a juventude. Em outros tempos, a multidão crucificou aquele que nos trouxe a Boa Nova, e alguém lavou as mãos, atendendo ao clamor da comunidade, para ficar bem na foto.
Hoje, essa crítica se enquadra nos líderes de opinião. O que dizem ou deixam de dizer é relevante para aqueles que se identificam com ele e se impressionam com sua fala. Neste contexto, difundem-se “verdades” absolutas. A influência deveria decorrer do conhecimento, referência que confere prestígio e credibilidade, mas, cada vez mais, o prestígio é substituído pelo carisma e pela adesão acrítica, sem análise.
Nesse ambiente, atacar instituições se tornou mais fácil do que refletir sobre elas. É mais cômodo desqualificar do que compreender suas funções. Grupos de pressão emocional, mobilizados por likes, compartilhamentos e memes, moldam nossa percepção da realidade. As decisões coletivas, políticas públicas e debates sociais passam por esse filtro tribal, onde a complexidade se reduz e a reflexão é substituída por reações instantâneas.
A saída não está em desligar-se da rede, mas em recuperar o espaço da reflexão. Democracia não sobrevive apenas de votos ou instituições formais; exige indivíduos capazes de questionar, ponderar e dialogar, antes de aceitar qualquer narrativa. Sem isso, continuaremos presos em nossos guetos do pensamento, manipulados, divididos e incapazes de exercer, de forma crítica, nosso papel na sociedade.