Pepê Collaço
Superintendente da AGR
Na quarta-feira, acordei com minha filha Manuela me indagando o porquê do feriado. Respondi que comemorávamos o Dia de Tiradentes. Ela sorriu, discretamente, sem entender o que eu dizia. Então, decidi tentar explicar para uma menina de seis anos quem foi esse mártir brasileiro e por que comemoramos essa data.
Já no começo, para minha surpresa, quando mostrei a foto de Tiradentes, Manú deu um pulo e perguntou se ele era Jesus Cristo. Eu disse obviamente que não, mas ela insistiu em dizer que eles eram muito parecidos. Pois bem, Manú na verdade não deixa de ter razão. Sem querer, ela pontuou um fato verdadeiro da nossa história, a semelhança de Tiradentes com Jesus.
A grosso modo, a história nos conta que Tiradentes era um alferes que lutava pela liberdade do Brasil diante do Reino de Portugal, juntou-se com lideranças que também defendiam essa bandeira e que, ao final, o único que foi enforcado foi ele, o Tiradentes, em 1792. Foi uma atitude das autoridades portuguesas para que quem quisesse se pôr contra o reino português fosse punido com a perda da vida.
Ele foi enforcado em praça pública, depois esquartejado, e sua cabeça posta em uma estaca. Analisamos aí que realmente o Reino de Portugal queria dar publicidade a estes atos, para que outros rebeldes não insurgissem ao meio.
Mas aí que vem a parte interessante da história: a morte de Tiradentes serviu simplesmente para isso, para que os portugueses dessem publicidade aos atos de violência e impusessem medo à população. Claro que isso repercutiu muito na época, mas, depois de um tempo, o assunto se apagou, arrefeceu, ou seja, Tiradentes não virou mártir em 1792, aliás, foi até esquecido por um longo período.
Após muitas décadas, mais precisamente em 1861, 69 anos depois, iniciava no Brasil um movimento Republicano muito forte e como, em tese, Tiradentes “seria” um republicano, sonhava com uma república aqui em terras brasilis. Estes republicanos da época começaram, então, a resgatar a figura de Tiradentes perante o povo, narrando suas lutas e princípios. Inclusive, um republicano da época chamado Saldanha Marinho ergueu um monumento a Tiradentes em Ouro Preto, isso já com nítidas intenções republicanas e de enfrentamento ao império.
Anos depois, em 1870, foi redigido o manifesto republicano, ato este sempre para enfrentar a monarquia e implementar a República no Brasil. Foi a partir daí que a figura de Tiradentes foi resgatada de fato, até então esquecido entre todos.
É nítido que o movimento republicano queria encontrar um herói que pudesse servir de exemplo da causa, para que os ideais da República pudessem expandir Brasil afora com mais força. O movimento chegou até a aventar outros heróis, mas o que mais se enquadrava nos ideais da luta republicana era de fato Tiradentes.
Com isso, o Brasil virou um caldeirão, o movimento republicano cresceu e, em 15 de novembro de 1889, através de um golpe, liderado por militares positivistas da época, foi proclamada a República no Brasil, destituindo assim o Império e o reinado de Dom Pedro II.
E olha que interessante, uma das primeiras decisões da junta militar que assumiu o comando da nação em 1889 foi de estabelecer feriado nacional de Tiradentes, em 21 de abril, dia em que ele foi enforcado.
Esses militares que assumiram o comando na época da República eram defensores do movimento positivista, muitos ligados à escola militar do Rio de Janeiro e que se achavam desvalorizados pelo império. Estes jovens militares se identificavam muito com a história de Tiradentes, tendo em vista que ela foi propagada durante quase 30 anos nos movimentos republicanos. Foi aí, nesse momento, que Tiradentes foi alçado a grande figura de herói nacional, ora vejamos, 100 anos depois de seu enforcamento.
Mas onde está Jesus nessa história, fruto de nossa escrita e curiosidade? Pois bem, como muitos sequer sabiam como realmente era o rosto de Tiradentes, os comandantes militares da época, de escola positivista, contrataram um pintor muito conceituado e que também defendia o movimento positivista, chamado Décio Villares. Foi esse pintor que de fato criou o rosto que conhecemos de Tiradentes. Na época, as pessoas tinham figuras de Tiradentes sem barba, alguns historiadores até afirmam com uma certa calvície. Décio “cristianizou” Tiradentes, colocou barba, cabelos longos e deixou suas afeições muito parecidas com a de Jesus Cristo, isso tudo com a forte intenção de criar uma figura de líder, de herói.
Voltando em 1792, Tiradentes lutava pela liberdade com mais 12 cidadãos que também defendiam princípios de liberdade e ruptura do Brasil com Portugal, porém, só ele foi enforcado. Essas semelhanças que fizeram o pintor Décio Villares criar uma figura de um Cristo Cívico para nós brasileiros.
Tiradentes, antes de ser enforcado, também teve sua caminhada, que partiu do hoje palácio Tiradentes até o Rossil, no Rio de Janeiro. Inclusive, teve até um delator na época. Assim como Cristo teve Judas, Tiradentes teve Silvério dos Reis. Isso tudo que fizeram na época este pintor e autoridades, de maneira subliminar, tentar colar a imagem de Tiradentes a Cristo, para construir a imagem de um grande herói, que hoje é eternizado em nossa história.
Sem dúvida alguma, esse assunto nos cabe muito mais aprofundamentos. História rica e que discorre um século, mas escrevi apenas pela curiosidade da minha filha Manú, que sem saber achou que Tiradentes era Jesus.