A pessoa que tem câncer, cuja vida depende de remédios muito caros, tem direito à saúde tanto quanto o cidadão que pega uma virose e precisa de uma dipirona? Vamos a um caso real: em Tubarão, um homem é diagnosticado com câncer. Faz cirurgia, remove o tumor, mas depois de um tempo ele volta. O médico manda tomar um determinado remédio. O homem vai até o posto de saúde, mas este não tem o medicamento e o manda ao hospital. Lá, também ouve uma recusa, e explicam que aquele é um medicamento de alto custo.
Desesperado, o homem procura um escritório de advocacia, aciona a Justiça, apresentando ao juiz a receita médica e as negativas, pleiteando seu direito constitucional à saúde. Mesmo sendo um caso urgentíssimo de vida ou morte, o juiz leva um mês para analisar o caso e, ao final, pede mais um documento: além das negativas do hospital e do município, precisa também de uma do estado. Feito isso, e apresentadas todas as negativas, o juiz leva mais algumas semanas para pedir uma análise técnica de um órgão do Judiciário.
Para não morrer, o cidadão faz uma vaquinha e compra o remédio, suficiente para lhe manter vivo por dois meses. Mais algumas semanas e sai o laudo, alegando que o medicamento não é eficaz. Mas os exames médicos mostram que ele melhorou com a medicação, e ele os apresenta ao juiz, mostrando que o remédio salvará a vida dele. Depois de algumas semanas o juiz, com base no laudo, nega o remédio e, por extensão, o direito de viver àquele cidadão. A Justiça, além de lenta, aplica também uma pena de morte.
O juiz de Tubarão segue uma orientação recente do Judiciário brasileiro. Nesta semana, o Tribunal de Justiça de SC promove, em parceria com o Hospital SOS Cardio, a terceira edição do evento “O Direito e a Saúde: Repensando a Judicialização”, onde juízes, planos de saúde e hospitais discutem alternativas para evitar que pacientes precisem recorrer à Justiça por tratamentos. Como assim? A pessoa, por acaso, tem a opção de não ter uma doença que necessite de tratamento de alto custo, que só o Estado pode fornecer?
Na pandemia, alguns empresários chegaram ao cúmulo de dizer que valia a pena que uns 5 mil morressem, para evitar o temido lockdown. Hoje, para evitar a “judicialização excessiva na saúde”, alguns juízes e médicos acham que vale a pena que alguns milhares morram de doenças graves, “para a sustentabilidade do setor”. Seria importante que as pessoas que dependem dos remédios de alto custo também pudessem falar neste evento. Fica parecendo que a Justiça está sendo parcial, ouvindo só um lado da demanda.