Um acervo cultural, através de fotografias, tem chamado a atenção dos moradores de Jaguaruna. Trata-se do projeto “Gentil Memória”. Gentil Reynaldo, por muitos anos, documentou através de fotos os principais acontecimentos da cidade. Agora o acervo é revelado e tem proporcionado uma volta no tempo.
Sem jornal impresso ou televisão, durante os anos 1940 a 1980, o acervo fotográfico de Gentil foi a única documentação visual do cotidiano de Jaguaruna. A igreja, festas religiosas, a locomotiva, a ponte, a construção da estrada para a praia, naufrágios de navios e os principais momentos de atividade humana na região estiveram entre os registros do fotógrafo.
Ao todo, são 500 negativos em chapa de vidro e mais de 80 mil negativos em película plástica de fotografia, em preto e branco, que retratam a cultura da construção histórica da região Sul de Santa Catarina, sua evolução e, até mesmo, seus reveses, júbilos e catástrofes.
Contemplado na categoria patrimônio material do edital Elisabete Anderle da Fundação Catarinense de Cultura por dois anos consecutivos, o projeto proporciona um resgate do valor histórico e cultural, através do diagnóstico do acervo, restauração, conservação, digitalização dos negativos e exposição das fotografias de Gentil.
O projeto poderá se tornar um instituto futuramente. “Somos um canal entre a população e seu patrimônio. Promovemos diálogos subjetivos no imaginário coletivo, através do contato com suas lembranças e sua identidade”, explica o idealizador, fotógrafo e neto de Gentil, Guilherme Reynaldo.
O acervo está em processo de pesquisa para catalogação das fotos. Conforme o idealizador do projeto, mais do que preservar registros de Gentil Reynaldo, se busca identificar as datas exatas das fotografias e quem nelas estão.
Para isso, as fotos estão sendo colocadas nas redes sociais, através do Instagram @gentilmemoria. Na página da internet, caso alguém se reconheça ou encontre alguém que possa ser reconhecido nas imagens, a organização pede que informe ou entre em contato através do e-mail [email protected].
Quem foi o fotógrafo Gentil Reynaldo?
Nascido em 25 de outubro de 1922 na comunidade do Camacho, Gentil cresceu na companhia dos seus cinco irmãos. Com eles, na adolescência formou a banda chamada Seis Irmãos, que abrilhantou festas e bailes na região por muitos anos. Aos 18 anos, quando comprou sua primeira câmera, uma “Lambe-Lambe”, Gentil abraçou a fotografia. “Ele era dotado de uma veia artística inquestionável, possuía um fino trato com todas as pessoas que o cercavam. Tinha muito prestígio. Era uma pessoa que podia ser definida pelo próprio nome: Gentil”, declara o filho Gilson Rocha Reynaldo. O fotógrafo faleceu há oito anos.
Semana Santa através das fotos
Através das lentes do Gentil foram captadas cenas da vida social e as manifestações culturais, e as celebrações religiosas realizadas no século passado, como as procissões da Semana Santa. “É um momento áureo da fé cristã”, relata o historiador Hugo Zago da Silva.
Católica desde criança, a tubaronense e aposentada Maria Ana Ribeiro Melo descreve sua fé assídua intacta até hoje. Segundo ela, lavar roupa, limpar a casa ou até mexer na terra para brincar de bolinha de vidro era um completo desrespeito. Quanto à abstinência da carne, se atualmente a população come peixe, antes se preferia a canjica doce. “Minha mãe faleceu aos 99 anos. Enquanto viveu, sempre respeitou o jejum da carne vermelha desde o meio-dia da Quinta-feira Santa”, completa a mulher de 78 anos.
Dona Maria diz ainda que alguns fiéis preferiam a farofa de amendoim ou um cafezinho com pão. E é isso que Hugo também pontua. “As pessoas não faziam coisas corriqueiras que pudessem suscitar a vaidade. É o momento mais triste para os cristãos”, diz o pesquisador.
Kamila Melo - Especial para o DS