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Autismo: pai e filha unidos pelo mesmo diagnóstico

Vanilson teve diagnóstico tardio, mas viu sinais na filha nos primeiros meses

25/04/2025 06:00|Por Tatiana Dornelles / [email protected]

Pai e filha, unidos não apenas por laços de sangue, mas também pelo mesmo diagnóstico: o autismo. Em meio aos desafios cotidianos, o professor de Imbituba Vanilson Batista Lemes, 36 anos, e a filha Sophia Job Batista, de três, compartilham uma forma única de enxergar o mundo, onde gestos, rotinas e silêncios falam mais alto que palavras.

A descoberta do diagnóstico, no caso de Vanilson, não se resumiu a um único momento, mas há anos de sintomas acumulados e mascarados, já que ele não foi diagnosticado na infância.

“Nasci e cresci no interior do Rio Grande do Sul, em uma região com poucos recursos médicos e escassa informação sobre autismo nos anos 80-90. Passava por consultas e os médicos tratavam apenas sintomas isolados — crises de choro inexplicáveis, aversão a eventos sociais, dificuldade de interação, febres repentinas, dores pelo corpo, entre outros. Além disso, lidava com sensibilidade térmica, dificuldade para fazer amigos e para me fazer entender”, revela.

Vanilson cresceu sentindo-se estranho, sem saber o que havia de “errado” com ele. “Era chamado de ‘bicho do mato’ ou ‘fora da caixa’. Só comecei a entender meu quadro na vida adulta, após uma depressão profunda durante o mestrado. A pressão acadêmica desencadeou uma crise de ansiedade tão intensa que parecia um infarto — fui hospitalizado com pressão altíssima, mas a causa era emocional. Mesmo assim, meu diagnóstico de autismo só veio após oito anos de terapia”, ressalta.

Para o professor, a percepção de colegas de trabalho foram cruciais para a busca de ajuda especializada, o que ocorreu apenas na pandemia. “Quando perdi minhas adaptações sociais, o autismo ‘adormecido’ ressurgiu com força. No auge da depressão, pouco antes de me tornar pai, retomei o tratamento com apoio da família. Após estabilizar a depressão, fui acompanhado por neurologista, reumatologista, psiquiatra e neuropsicóloga por cinco anos, até o diagnóstico formal de autismo e o tratamento das comorbidades, como ansiedade, fibromialgia, bipolaridade, etc”, explica.  

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Vanilson começou a perceber sinais em Sophia

Em 2021, quando Vanilson se tornou pai e já tinha o diagnóstico de autismo, começou a perceber sinais na filha, Sophia, ainda nos primeiros meses. “Ao estudar o autismo para melhorar minha própria qualidade de vida, percebi sinais nela: interação por objetos, não por pessoas; olhar evasivo; locomoção atípica (não engatinhava); fala precoce; dificuldade com interações grupais e sensibilidade sensorial (barulhos, temperatura, luz, desequilíbrio ao balançar)”, explica. 

Quando Sophia completou um ano e meio, após perceber a falta de interação com outras crianças na escola, Vanilson e a esposa, familiarizados com o tema, buscaram uma neurologista pediátrica. Após dois anos de avaliação, ela também recebeu o diagnóstico. “Como minha falta de diagnóstico precoce me prejudicou muito, decidimos oferecer à nossa filha todo apoio possível”.

A rotina de pai e filha, explica Vanilson, é “literalmente uma rotina”. “Como autistas, criamos padrões mentais naturalmente e precisamos de equilíbrio para evitar que se tornem repetições rígidas e pouco saudáveis. Luto diariamente para não cair em ‘loops temporais’, para não me isolar e para ajudar minha filha a desenvolver flexibilidade cognitiva, mesmo que isso vá contra nossa natureza. E isso é bem exaustivo, para todos nós. É como uma maratona. Desde que a Sophia nasceu, priorizamos hábitos estruturados e saudáveis, mesmo antes de sabermos do diagnóstico, mas estes são adaptáveis. Há muitos momentos de exaustão durante a semana. Os fins de semana são dedicados para ela, cem por cento”, revela.

Vínculo entre pai e filha autistas é diferente

O vínculo entre Vanilson e Sophia, pai e filha diagnosticados autistas, é forte, mas, segundo ele, ocorre de uma forma diferente das outras relações entre pais e filhos. 

“Sophia tem uma conexão única e espontânea com a mãe, sua ‘pessoa escolhida’, que é muito mais intensa. Comigo, ou outras pessoas, a interação sempre passa por objetos ou atividades, como brincadeiras, pintura, histórias e passeios. Raramente recebo um abraço espontâneo. Quando acontece, sinto que é uma vitória, pois também luto para demonstrar afeto fisicamente. Embora alguns pais na mesma situação que eu possam se sentir rejeitados, eu a entendo: ela é sincera e direta, com frases como ‘Quero brincar com você, Vanilson’ ou ‘Agora não, Vanilson’. Respeito suas escolhas e o tempo de adaptação dela para interação, mas não abro mão dos limites educacionais”, afirma.

Segundo ele, regras são ensinadas  mesmo quando isso gera crises. “Autistas precisam aprender a viver em um mundo neurotípico; caso contrário, o sofrimento na vida adulta pode dificultar uma vida digna, que inclua emprego, amigos, e que as pessoas estejam aptas a ajudar”. 

Desafios

No mês dedicado à conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), Vanilson diz que um dos maiores desafios, comum a pessoas no espectro autista, é a exaustiva busca pelos direitos que, embora garantidos por lei, raramente são concedidos sem resistência.

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