Como decisões provocativas moldam a jurisprudência e afetam a confiança pública
Felipe Felisbino | Professor
Nos debates do Supremo Tribunal Federal (STF), não é raro que um voto cause estranhamento: polêmico, ambíguo, aparentemente inconclusivo. Muitas vezes, ele funciona menos como decisão definitiva e mais como espetáculo controlado. O voto do ministro Fux, em particular, parece assumir esse papel de Tertius, o intermediário estratégico, que se coloca no centro da disputa não para resolvê-la de imediato, mas para testar, medir e desviar o foco de forma calculada.
O Tertius é o sacrificial, aquele que se expõe à polêmica para que os demais atuem com mais segurança. No STF, o voto provocativo cumpre a função de ensaio público, uma espécie de balão de ensaio jurídico, que permite sondar a reação da sociedade, da mídia e da classe política. A tensão inicial não é ruído, mas parte de um roteiro; a encenação serve para que o tribunal tenha tempo e espaço de calibrar a narrativa final.
Essa estratégia possibilita que o STF, nos bastidores, construa consensos e molde a jurisprudência sem se expor diretamente ao desgaste. O ministro que encarna o Tertius atrai críticas imediatas, mas abre caminho para que a instituição avance de maneira mais controlada. O efeito é duplo: para fora, produz a sensação de debate intenso, de tensão viva e até de incerteza democrática; para dentro, cria um campo de experimentação que ajuda a definir os limites do aceitável e a ajustar o tom das futuras decisões.
Contudo, essa tática não é isenta de riscos. Se, de um lado, preserva a prudência institucional, de outro pode corroer a confiança pública. O cidadão comum pode se perguntar, trata-se de exercício transparente de deliberação ou de manipulação encenada? Entre a imagem de um tribunal que testa limites em nome da responsabilidade e a de um tribunal que manipula expectativas em nome do cálculo político, a linha é extremamente tênue.
O voto de Fux, portanto, não deve ser lido apenas como mais uma voz na balança. Ele se apresenta como estratégia de poder discreto, que ora protege, ora expõe, sempre calculando seus efeitos no tabuleiro público. No fim, faz jus ao sobrenome Fux, em alemão antigo, significa raposa. A raposa é símbolo de astúcia, mas também de dissimulação. Cabe à sociedade indagar: quando a esperteza se torna prudência e quando se transforma em jogo perigoso que ameaça a credibilidade da justiça?