Professor Mauri Luiz Heerdt - Diretor acadêmico – Ânima Educação, educador e conselheiro
Mais que um artigo, este texto é parte da minha própria trajetória docente. Sou professor desde 1988, quando iniciei como docente para turmas do então ginásio (Ensino Fundamental II). Desde então, lecionei mais de uma dezena de disciplinas, em diferentes níveis educacionais, instituições (públicas, privadas e filantrópicas), modalidades (presencial, digital e híbrida), em diferentes cidades e culturas e com milhares de estudantes espalhados pelo mundo.
Enfim, lá se vão 37 anos de transformações! Ser professor é isso: a gente vai se fazendo ao longo da jornada. Nesta caminhada, sempre tive uma preocupação central: como ensinar melhor? Em síntese, aperfeiçoei os processos estruturantes de uma aula: Planejamento, Mediação (desenvolvimento) e Avaliação. Esses três processos também se transformaram ao longo do tempo — da aula expositiva/dialógica aos projetos interdisciplinares e integradores, Estudos de Caso, Pesquisa e Produção de Conhecimento como processos autorais de aprendizagem, uso de tecnologias, Planos de Negócio, Ambientes de Aprendizagem diversificados, Metodologias Ativas, Startups, modelos de avaliação... Foram quase quatro décadas de trabalhos e transformações focadas em como ensinar — ou seja, na Didática.
Entretanto, eis que me deparo com uma dúvida de outra natureza: como aprendemos (Matética)? Para buscar respostas, retorno novamente à Sala de Aula — uma sala diferente: um laboratório de Neurociências! Pesquisando sobre Matética, descobri que o pai da Didática moderna, Jan Amos Comenius, utilizou ambas as palavras em sua obra Spicilegium Didacticum, compêndio de conteúdos pedagógicos publicado em 1680, após sua morte. Comenius considerou a Didática, a ars docendi, como a arte ou a ciência do ensino: o ato de ensinar aquilo que se sabe de modo que outros também venham a saber. Já a Matética, ele a entendeu como a ars discendi, ou seja, a arte de aprender, de buscar o conhecimento das coisas, de compreender como a aprendizagem ocorre.
O título completo da obra sintetiza os dois conceitos: Spicilegium Didacticum: artium discendi ac docendi summam brevibus praeceptis exhibens — “Coletânea didática: expondo em breves preceitos a soma das artes de aprender e de ensinar.” Ou seja, a obra indica que Comenius via o Spicilegium Didacticum como uma síntese entre as artes de aprender e de ensinar, apresentando uma íntima relação entre a dimensão do discente (aprendiz) e do docente (professor).
Posteriormente, muitas interpretações e comentários foram realizados a partir dessa obra. Contudo, a grande verdade é que a Didática acabou se sobrepondo, de forma hegemônica e quase absoluta, em escritos, livros, pesquisas, formações de professores e narrativas pedagógicas. A Matética, por sua vez, caiu no esquecimento — silenciada e marginalizada na tradição educacional.
Dessa forma, o modelo predominante da pedagogia consolidou sua centralidade no professor, na instrução e na transmissão de conteúdos. O ensino moderno exigiu métodos padronizados e controle do processo, favorecendo exclusivamente a didática. E assim também a epistemologia — o processo do conhecimento —, que passou a figurar como “algo a ser transferido” do professor ao aluno, e não como construção intersubjetiva, nem considerando prioritariamente as formas como o cérebro realmente aprende. Consequentemente, a formação de professores fundamentou seu processo nas estratégias didáticas de ensino.
Atualmente, na construção do SER (E ESTAR) PROFESSOR, encontro-me envolvido com a Matética — a arte de aprender. Mais especificamente: como aprendemos? Na obra Como aprendemos: uma abordagem científica da aprendizagem e do ensino, Héctor Ruiz Martín afirma que o protagonista da aprendizagem é o aluno — e que aprender pode ocorrer mesmo sem o ensino. Saber como o cérebro aprende pode nos permitir desenvolver técnicas ou métodos que otimizem nossa capacidade de aprender. Também pode nos tornar mais eficientes como educadores para que os alunos alcancem uma aprendizagem significativa, duradoura e transferível.
O professor Carlos Nogueira Fino, da Universidade da Madeira, em seu artigo Matética e Inovação Pedagógica: o centro e a periferia, afirma que, além de determinar o que se devia ensinar, o currículo — por meio da didática e do seu principal instrumento, o livro de texto — passou a determinar também como se deveria ensinar. Cinco séculos de currículo, cuja evolução foi profundamente marcada pela escola fabril e pela instrução simultânea, seguidos da taylorização, consolidaram a ideia de que a didática, apesar de sua reiterada preocupação com a aprendizagem, nunca deixou de colocar o professor e sua atividade no centro dos acontecimentos, relegando o aluno à periferia. Portanto, a inovação pedagógica passa necessariamente pela Matética, implicando autonomia e protagonismo do aprendiz e redefinindo o papel do professor — com todas as consequências dessa migração do aluno da periferia para o centro do processo de aprendizagem. Consequências sobre a própria escola, bem entendido, que tem de ser outra coisa.
Diante dessa transformação epistemológica em minha vida, pessoas me perguntam se estou abandonando meus estudos e conceitos desenvolvidos até aqui da área de ciências humanas e da educação para estudar neurociências, neurobiologia e psicologia cognitiva e educacional. A resposta é simples: não é um abandono — é um encontro, um verdadeiro diálogo. Acredito que quem melhor compreende como o cérebro aprende, melhor professor conseguirá ser e estar. É o encontro do guarda-pó do professor com o jaleco das experiências e ensaios no laboratório de Neurociências. Embora “estar pronto” ou “ser perfeito” sejam conceitos que nos seduzem ou até podem nos iludir, a vida nos mostra que as coisas não são bem assim. Ser professor e entrar, literalmente, na arena da sala de aula e da vida — e, como tal, estar em progresso — implica em ser e estar professor permanentemente, sempre em processo de construção.
E, como homenagem aos professores neste mês que nos é dedicado, registro minha gratidão especial ao Prof. Daniel Martins — grande professor e meu atual orientador de pós-doutorado em Neurociências e Educação.