Artigo
Donald Trump voltou à Casa Branca com os velhos fantasmas do protecionismo econômico. O governo americano brinca diariamente com as tarifas, para “proteger a indústria americana”. É mais do que uma disputa comercial, expõe o estágio avançado de autocratização da política dos Estados Unidos, onde as decisões de governo passam cada vez mais a obedecer a interesses pessoais e estratégias eleitorais de curto prazo.
Como bem analisa Daniel Stockemer, em artigo recente publicado com o sugestivo título Is the US Moving Toward Autocracy? (“Os Estados Unidos Estão Caminhando para a Autocracia?”), na Politics & Policy, os Estados Unidos vivem um processo de erosão institucional. Trump conduz, de forma deliberada, a desmontagem progressiva dos freios e contrapesos que sustentaram a democracia americana.
O gesto de punir economicamente o Brasil não é técnico, é político. É mais uma jogada de quem não joga, impõe as regras. Trump age como aquele menino mimado que, ao perceber que pode perder, recolhe a bola e encerra a partida. O problema é que essa “bola” é o comércio internacional, e o Brasil, de novo, é deixado à margem.
Seguimos exportando matéria-prima bruta, como aço e alumínio, esperando que países centrais nos comprem e ditem os preços. A cada nova tarifa, a cada novo capricho geopolítico, voltamos a sofrer as consequências de termos optado, ou aceitado, ocupar um lugar subalterno na economia global.
É hora de o Brasil enfrentar com seriedade sua dependência estrutural. Não se trata apenas de reclamar das tarifas, ironizando o uso do boné vermelho (MAGA), amarelo ou azul. Trata-se de romper com o papel de economia periférica, que fornece insumos básicos para outros agregarem valor e nos venderem produtos acabados. Precisamos fazer o que há décadas sabemos ser necessário: industrializar com inteligência, investir em tecnologia nacional, inovar e sair da armadilha histórica do “produtor de commodities”. Esta é a posição que esperávamos dos líderes da indústria nacional, não de postagens inócuas nas redes sociais replicando o nada de lugar nenhum: “olha o que tu fizeste”; “é culpa tua a ação do Trump”...
A autocratização dos EUA é um alerta. Mesmo democracias consolidadas podem se desfazer, não por rupturas espetaculares, mas por decisões cotidianas, silenciosas, revestidas de normalidade. Fica o recado: não podemos continuar à mercê de quem recolhe a bola sempre que o jogo não lhe favorece, e não podemos repetir, internamente, os mesmos passos que conduzem à erosão democrática de outros, que são faróis mas, ao invés de iluminar, ofuscam os outros, chutando a escada sem cerimônia.